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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O resgate da Lua...



A humidade e o frio do final da tarde, entranhava-se... Estava sozinha e sentia a solidão como nunca. Sentia um vazio pesado, pronunciado, difícil de aguentar. Era diferente, do vazio que senti outras vezes no meio da multidão, quando de volta a casa cruzava vidas e sonhos de novos e velhos, onde não havia crianças. Mas era igualmente insuportável...talvez, por não existirem crianças.
Adormeci...
Acordei mais tarde...não sei onde, ...no meio de folhas...
No bosque, as árvores centenárias de várias espécies, altas e robustas,  carregadas ainda de folhas secas, escondiam-nos da luz ténue de um Sol que acabara de cumprir a sua missão e que estava de partida.

A última imagem que tenho gravada na memória, era de que mal se viam as primeiras estrelas no céu, quando os dois, de pés descalços,  rumamos a uma clareira iluminada pela Lua que se adivinhava grande, redonda e muito branca. Pisávamos folhas de Outono, castanhas amareladas, que gemiam baixinho de forma sentida à nossa silenciosa passagem e seguíamos o mesmo caminho sem hesitar, de mãos dadas, porque elas sentiram saudades de se entrelaçar.

De olhos vendados,  percorremos lado a lado quilómetros de chão com um odor de raízes e folhas humedecidas pelas primeiras chuvas, petrificadas e em decomposição, que iam enriquecer e alimentar um solo seco e gretado nos espaços iluminados pelos raios de sol...até à clareira que nos ia acolher.

Não compreendíamos, porque razão, uns seres com asas, nos tinham largado ao mesmo tempo, no mesmo lugar, perguntando para dentro de nós com que objectivo. Para trás, tinham ficado momentos em que senti  as minhas pernas roçarem os braços mais finos das árvores e os meus pés tocarem as suas copas. Contigo não sei como foi, não sei o que sentiste,.. eu senti tudo...

Chegamos e desmaiamos inteiros. A lua olhou para nós, reluzente, brilhante e enorme. Toda a sua luz se transformara em energia que despejava com prazer sobre os nossos corpos ávidos de calor, outrora mutilados pelo tempo e pela ausência prolongada um do outro. Transformou o que sentíamos num eloquente reencontro final. Abandona-mo-nos à mercê das saudades, dos filhos da natureza presentes, do lugar, do momento e procurámos os corpos um do outro, começando uma dança. Uma dança quente...

A Lua assistira lá do alto embevecida, ...de autora do nosso resgate...

domingo, 9 de janeiro de 2011

Lady D'Arbanville

Queria amadurecer as minhas palavras
para te aconchegares nelas
Queria que elas se transformassem em algodão 
e que te pudessem acarinhar e receber...
Amar-te-ei em surdina...
por entre os escombros da vida das gentes
sem que ao menos te sonhe...
Sentir-te-ás o príncipe 
de todas as donzelas
e o arquitecto das abóbadas perfeitas
sem saberes porquê
Porque eu sou,
Porque eu existo.
Pronunciarei sussurros aos teus ouvidos
e recriaremos uma história de amor,
daquelas que todos desejam e escondem dos outros
Não sei porque o fazem
de onde lhes vem a vergonha
Quando não existe melhor sentir e significar
de alguém por alguém...

Acordarei, no entanto, feliz
ao imaginar que também o és, ... Lady D'Arbanville...

sábado, 8 de janeiro de 2011

O tempo das maçãs...



Era uma vez, uma maçã dentada, que brotara num país pequeno. Abocanhada  ao longo dos nossos antepassados, vivia tristonha por sentir que lhe faltava um pedaço. Ela, não entendia por que o destino lhe reservara uma existência diferente, mais brilhante, mais magnética…ninguém entendia, mas testemunhavam  a ocorrência...

Por adágio do pecado, o Cristianismo usou-a para ser mordida por Adão quando quis enternecer e seduzir Eva. Ficou no cacho dos homens, depois de deslizada a seiva e engolida a carne. Sobre o fruto apetecível que tem origem no pecado e, que simultaneamente, dá a morte e  vida, multiplicaram-se histórias, contos,  mitos e lendas.

Eris, a Deusa da discórdia, depois de ofendida por não ter sido convidada para o casamento de Pelais e Tetis, por vingança, lançou, em plena cerimónia uma maçã de ouro com a inscrição: "À mais bela – Kallisti". As Deusas Hera, Atenea e Afrodite disputaram o título e tentaram Pares com a mulher mais bela presente, Helena de Esparta, o que desencadeou indirectamente o início da Guerra de Troía; As maçãs de ouro aparecem também no Jardim de Hespérides, como fruto da árvore da vida; Herácles, como castigo dos seus doze trabalhos, fora requisitado para viajar até ao jardim de Hespérides e recolher todas as maçãs de ouro da árvore da vida; Hipómenes, ganhou a mão de Atalanta, depois de a vencer com três maçãs de ouro (os dons de Afrodita, a Deusa do amor); Guilherme Tell, teve de atravessar com uma seta uma maçã colocada em cima da cabeça de seu filho; Na lenda dos colonizadores americanos a história de “Joãozinho semente de Maçã”; “A garota com a maçã”; “A branca de neve e os sete anões”, em que Blancaneus, cai morta quando come uma maçã envenenada pela bruxa; e, Isaac Newton, que se inspirou para desenvolver a teoria da gravidade, ao ver cair uma maçã de uma árvore.

Mas, foi na segunda metade dos anos 70, que dois hippies da Califórnia, lhe deram um novo estilo, uma nova forma e uma nova filosofia de vida. Quando um raio de luz incidia sobre um prisma triangular, os estudos de Newton, diziam que, do outro lado, é projectado um espectro exibindo várias cores. As mesmas cores são utilizadas na maçã feliz, as cores do arco-íris não seguindo a mesma ordem, representativo de rebeldia. A maçã é uma das espécies de frutas que precisa acumular mais horas de frio, com temperaturas inferiores a 7 °C. Tal como a conheço.

De tempos a tempos, sente-se só e recorda com a alegria os ensejos em que vivera suspensa numa árvore acompanhada de todas as outras maçãs, agarrada à árvore-mãe, uma macieira de ar frágil mas corajosa e que tudo tinha feito ao longo da vida para manter a comunhão e a felicidade dos seus frutos. Deu-lhes o melhor que sempre soube, que sempre teve, que sempre conseguiu. Vestiu-os com as melhores cores, a cada Verão. Em nada diferente de todas as árvores-mãe.

O pomar que acolhera esta macieira corajosa, há muitos anos atrás, era um pomar trabalhador de semblante ríspido caracterizado pela condição masculina e os valores da altura, liberdade de características masculinas, que vincularam o seu percurso e a sua forma de estar. Nunca deixou de fazer o seu papel de braços abertos pronto para receber os seus frutos. No entanto, muitas vezes se ausentou à procura do melhor, …outras vezes, desaparecia numa dúvida vã que nos acompanha a todos e que nos faz inclusive questionar a forma da nossa existência, …simplesmente desaparecia, mesmo presente. Percebíamos a sua presença, porque o ar rude, se fazia notar, quando achava necessário e exercia a sua autoridade na plenitude.

O pomar amara a macieira no inicio daquela época assim que a vira chegar, na sua juventude e no seu esplendor, que também era o dele. Foi entre Novembro e Janeiro que a transplantaram para aquele pomar. Trocaram dúvidas enquanto acabavam de crescer e criaram raízes agarradas um ao outro. Recorda-a na primavera vestida de flores pequeninas brancas e amarelas de onde provinha um cheiro fresco, viçoso, de árvore pronta para dar frutos, que ainda hoje recorda.

Apesar do tempo, hoje, ter transformado aquele amor, numa tranquila alegria de ter apenas alguém por perto, amadurecem em paz,   cientes do que construíram o melhor que souberam, orgulhosos de tudo o que têm, do que não têm e do que deixaram ficar para trás sem solução aparente, que lhes deixa uma preocupação sempre presente quando se forem embora. 

Desse amor, nasceram frutos de várias cores, forças, estilos e fulgor, de várias castas, Golden Delicious, Granny Smith, Reine des Reinettes, e Apple. Cresceram na liberdade das ruas, sempre vigiados por amas de aventura e perigos amigos. Voltavam a casa ao final dos dias, para dormir e comer, com os  joelhos podres e braços  amachucados por uma briga com outras maçãs mais bolorentas ou com bicho, mas com um sorriso enorme por terem ganho mais uma batalha e vencido mais um dia.

Cresceu à procura da melhor caixa, do melhor supermercado, da melhor montra, de maior protagonismo, …daquele bocado…Venceu. Contínua a sentir que lhe falta um pedaço, mas aprendeu a viver sem ele.


Se ela entendesse, que o significado dessa mordida (bite = byte), desse pedaço a menos, traduz que todos os dias milhares de pessoas sorvem dela o conhecimento, deixaria de se sentir tristonha e sozinha de quando em vez…porque, está sempre acompanhada, por toda a gente em todo o mundo, apesar de não os ver. É feliz do seu modo, orgulha-se por se encontrar espalhada pelo mundo inteiro, por ter chegado onde chegou, tão longe, …é o orgulho dos pais.



quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Olhos que não vêem, coração que "quase" não sente...



Nunca me deveriam ter ensinado o significado da palavra "saudade", talvez agora desse outro nome ao que sinto com esta intensidade.

Para que serve a saudade que sentimos? ...para nada, concluo.

Porque sentimos saudades do que existiu e do que nunca existiu, de quem esteve e não esteve connosco, das palavras trocadas e das que ficaram por dizer? ...para nada, concluo.

Então, para que foi que inventaram esta palavra, que não serve para nada? ..."Saudade".

Determino, que os inventores anciãos desta sentença, sejam condenados eternamente, a ter saudade de tudo quanto gostaram...e, que quando não aguentarem mais, percebam o que se sente quando sentido por outros... a impotência, a angústia, a incapacidade,  a impossança, a debilidade, o afogo, a constrição,  a ânsia, a estrangulação, o desassossego, a agonia, o tormento, …

...talvez assim, sintam que é necessário apagar dos dicionários de todo o mundo e por sequência das nossas memórias, esta palavra e o seu significado…


“olhos que não vêem, coração que “quase” não sente”…será?